Igor Pantusa Wildmann
Advogado – Mestre e Doutor em Direito Econômico pela UFMG
Professor da Faculdade de Direito Izabela Hendrix e da Faculdade Milton Campos
Conselheiro Técnico em Crédito Rural da FAEMG – Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais
Consultor Jurídico e advogado da ABBA – Associação Brasileira da Batata.
Dentre as atividades empresariais, a rural é sem dúvida, a mais cercada de mitos: a maioria da população vê a vida do produtor rural como um riquíssimo romance de telenovela (bem ao estilo de criações como Rei do Gado, Sinhozinho Malta, etc).
Por sua vez, a grande mídia informativa, aproveitando-se de tal visão romanceada, do desconhecimento geral sobre as peculiaridades do setor rural e, sobretudo, do discurso fácil de grandes corporações bancárias e da histeria arrecadatória (que tem levado ao risco de desmonte do parque produtivo do país), vendem à grande massa a imagem da classe agrícola como um sindicato de grandes coronéis com rios de benesses dos cofres públicos.
Infelizmente, por incrível que possa parecer, há, por pura má-informação, um certo ranço nutrido pelas populações urbanas, em relação ao ruralista; um sentimento mal definido e manipulado, que às vezes se aproxima da admiração, às vezes de uma certa inveja.
Comenta-se que estamos em tempos de crise. Para expressar tal situação, não encontro definição melhor do que a do idioma chinês, na qual crise é a soma de dois ideogramas: “perigo” e “oportunidade”, facetas opostas e complementares da mesma.
Em nossa língua, a palavra “crise” vem do grego “krisis”, ligada à idéia de transformação. É certo que toda crise é de uma forma ou de outra, transformadora, para bem ou para mal. A transformação será benéfica, todavia, para aqueles que souberem conhecer enxergar racionalmente o perigo, evitandoo, a fim de então, caminhar rumo à oportunidade.
O perigo para os bataticultores, no momento atual reside, por ironia, na visão mitificada que muitos ruralistas ainda têm de sua própria atividade. O produtor normalmente tem, até por formação, amor à lavoura, à terra e ao trabalho palpável. Por outro lado, não raro, tem aversão à papelada, às formalidades, à burocracia, coisas que não lhe dão a sensação de estar produzindo. Um dia sobre a mesa e o papel é para muitos, um dia perdido, eis que trabalhar é estar “agarrado” no plantio, na colheita, rotinas de sua atividade-fim.
Eis o maior perigo: diz o dito que o “diabo mora nos detalhes”. E é justamente nos “detalhes”, na parte burocrática e formal, ou nas atividades-meio, que se encontra a diferença entre o perigo e a oportunidade.
A atitude tradicional, de informalidade e aversão à profissionalização, torna-se cada vez mais inviável e perigosa. Em outros tempos uma forma de aumentar sensivelmente o percentual de lucro, a informalidade traduz– se hoje em uma variada gama de riscos ao bataticultor, todos com efeitos desastrosos. Um exemplo comum refere-se ao giro financeiro de grandes volumes em contas pessoais do próprio produtor informal ou de terceiros.
Sem saber, o produtor pode estar sendo enquadrado na lei 9613/98, que define medidas para a prevenção de crimes de lavagem de dinheiro e que obriga às instituições financeiras, corretoras de valores mobiliários, administradoras de consórcio entre outras, a manter cadastro atualizado sobre as movimentações e propostas de movimentações financeiras de seus clientes, especificando inclusive compatibilidades entre valores girados em atividade declarada.
Regulamentando o referido dispositivo legal, o art. 4º da Circular 2852 do Banco Central do Brasil obriga aos bancos, desde 1998, que informem ao Banco Central, todas as operações acima de R$ 10.000,00 (dez mil Reais) em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, metais ou qualquer outro ativo passível de ser convertido em dinheiro.
Assim sendo, a cada saque ou depósito acima de tais valores, as autoridades já tinham poder e condições de fiscalizar e certamente já têm informações, desde 1996, (muito antes, portanto, da edição da MP que autoriza a quebra para fins fiscais do sigilo bancário) as movimentações dos informais.
Dessa forma, um produtor informal, além de correr os riscos de ser investigado nos moldes dos normativos supra citados, será, cedo ou tarde, enquadrado na legislação fiscal pertinente, com sérias conseqüências, que vão desde uma estipulação por arbitramento de uma renda, passando por imposição de pesadíssimas multas.
Apenas a título de exemplo: um produtor totalmente informal, que tenha girado (repita- se, girado, e não lucrado) em sua conta pessoal, no ano de 1998, R$ 500.000,00, corre o risco de, caso sofra uma autuação em 2001, ter tal valor arbitrado como renda, acrescido de multa moratória de 75% na autuação, mais juros de mora à razão de taxa Selic (hoje em 19% ao ano) mais 1% ao mês, incidentes sobre o valor mais a multa, desde a data de ocorrência do fato gerador: no caso 1998. Com hipóteses simples de enquadramento legal e considerando a taxa Selic nos padrões “baixos” de hoje, o valor de uma autuação como a exemplificada aproximar-se-ia facilmente de R$ 2 000.000,00 (dois milhões de Reais.).
Vale lembrar ainda que, além da autuação fiscal e a conversão da mesma em execução – o que por si só afastaria o produtor do sistema creditício, praticamente inviabilizando-o.
A abertura de processo criminal apresenta-se um fator de risco e extremo desgaste pessoal para o produtor informal e sua família.
Não bastassem os riscos acima explicitados, a inadimplência tem se manifestado como mais uma das conseqüências nefastas da informalidade. Cheques de terceiros, vales e anotações em papéis avulsos não dão ao bataticultor qualquer garantia de solvência de seus créditos, refletindo-se em boa parte das vezes, em prejuízos outrora embutidos nos custos.
Com as mudanças que hoje ocorrem no cenário político e econômico nacional e mundial e com a constante necessidade de cada vez mais competitividade, não há mais que se dar ao luxo de contar o calote como um custo de produção, sob pena de perda de espaço no mercado.
Manter-se-ão na atividade os bataticultores que entenderem que a organização e profissionalização de suas atividades não são perda de tempo, mas fator crucial para a determinação de seu sucesso ou fracasso.
De tempos em tempos, uma classe é eleita para uma espécie de linchamento público, o qual, muitas vezes, tem mais efeitos de mídia do que de efetivo combate aos problemas do país. Foi assim com os empresários no plano Sarney, presos por reajustar preços; foi assim nos tempos de Collor, com funcionários públicos taxados de Marajás e responsabilizados pelos problemas do país; tem sido assim hoje, com o linchamento, frente a toneladas de holofotes, de um ou outro senador ou juiz. Nada garante que amanhã os produtores informais sejam eleitos como os responsáveis pelos problemas fiscais da nação, vindo ao centro do alvo.
Os riscos da informalidade são por demasiado altos e com a crise que assola a população, não vai tardar para aparecerem as cobranças no sentido de promover uma verdadeira “caça às bruxas”, que poderá vir a ser injusta, brutal e arrasadora para muitos produtores informais, mas que certamente dará Ibope e votos
a muitos interessados e interesseiros.
*Artigo originalmente publicado na Revista Batata Show – Ano 1 – Número 3 – Setembro/2001. Disponível também no site www.abba.com.br