DA ILEGALIDADE DA ADOÇÃO DE TAXA DE CÂMBIO COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA NOS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO INTERNO*

Igor Pantusa Wildmann

 Advogado. Mestre e Doutor em Direito Econômico. Professor da Faculdade Metodista Izabela Hendrix, da Faculdade de Direito Milton Campos e da Pós Graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Conselheiro Técnico em Crédito Rural da FAEMG – Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais. Consultor Jurídico da ABBA – Associação Brasileira da Batata.

 

Tem se tornado costume em diversos tipos de contratos, realizados com instituições financeiras, a adoção de taxa de variação cambial como índice de correção monetária. Não tem sido raros os instrumentos de financiamento que, desprezando os índices oficiais de correção monetária, estipulem a “correção” em variáveis como o Boletim SISBACEN P. TAX-800, dando – se preferência, dentro do mesmo, à moeda 220 ( Dólar norte-americano), como parâmetro de indexação.
Todavia, tal procedimento é, salvo exceções expressas em lei, de todo incompatível com o direito pátrio.
A correção monetária, enquanto instituto jurídico, têm como escopo a proteção da dívida de valor contra a depreciação da moeda oriunda de altas inflacionárias. Suas bases foram lançadas com a distinção feita inicialmente por ASCARELLI, entre o que hodiernamente se denomina dívida de dinheiro e dívida de valor.

Questionando o nominalismo monetário que então predominava em teoria econômica, o jurista italiano concluiu que “certas dívidas, por sua natureza e finalidade, não teriam o dinheiro como objeto, mas valores abstratos. Nessas dívidas, o pagamento deveria ser feito mediante a entrega da coisa que, embora ‘correspondesse’ ao objeto, não constituiria este objeto. Encontrar – nos – íamos, nesses casos, diante de situação em que a moeda estaria sendo levada em conta não como objeto da dívida, mas como medida de valor.”( JANSEN, Letácio in “A Norma Monetária”- Rio. Forense. 1988, pg 65)
A essas dívidas, cujo objeto não é uma soma em dinheiro, mas o valor que esta representa, ASCARELLI denominou dívida de valor.( ressalte-se que NUSSBAUM já havia empregado anteriormente a mesma expressão – Wertschuld)
Tendo reconhecido a distinção entre dívida de dinheiro e dívida de valor, mormente em face dos períodos de altíssima inflação já vividos, a ordem jurídica brasileira adotou o instituto da correção monetrária, como paleativo para proteger os créditos da perda do poder de compra real da moeda, evitando-se assim, o enriquecimento sem causa.
Para tanto estabeleceram-se os índices oficiais de correção, que, por sua finalidade, devem estar baseados justamente no cálculo sobre a depreciação da moeda, e não na variação do custo do dinheiro no mercado, (como é o caso da TR), tampouco na variação da taxa cambial, como o índice refletido no SISBACEN P-TAX.
Cabe ressaltar que este último é aplicável aos contratos de que envolvam diretamente operações de câmbio – importações, exportações, ou mesmo financiamentos internacionais ( exemplos taxativos do art 2o do Dec-Lei 857/69 ) – desde que entre os diretamente envolvidos na operação externa, o que na maioria dos casos, inocorre.
A Resolução 980/ 94 BACEN, é aplicável, somente, aos negócios jurídicos supra referidos, como forma de proteção aos contratos internacionais de eventuais desvalorizações cambiais. Neste sentido, é norma de Direito Econômico como forma de regulamentar e proteger a própria inserção do país no comércio internacional. Não obstante, tal norma é totalmente inaplicável nos contratos de financiamento interno, mormente com o intuito de atualização monetária.
Se assim não fosse, em caso de brusca desvalorização da moeda nacional (realizada com intuito de resguardar as exportações e preservar a estabilidade das reservas cambiais), desacompanhada de alta inflacionária, estaria o devedor nacional, num contrato nacional, feito com credor nacional, sobre mercadoria nacional, obrigado a pagar uma “correção monetária” sobre uma suposta perda de poder de compra da moeda nacional que, de fato, jamais existira. Patente estaria, portanto, o enriquecimento .sem causa, vedado em nosso Direito
Para tanto a cautela do Dec. – Lei 859/69, que, em seu art. 1o, estabelece como “nulos os contratos, títulos ou quaisquer documentos que, exequíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro ou moeda estrangeira.”
No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ, estendendo a nulidade para a aplicação dos mesmos como indexador de valores monetários:

“(…) o art. 38 da resolução 980/94 do banco Central extravasa o permissivo do inciso V do art. 2o do Dec – Lei 857/69, contrariando , assim o disposto no art. 1o do aludido Dec – Lei, que veda a estipulação, de contratos exequíveis no Brasil, de contratos em moeda estrangeira, a tanto equivalendo calcular a dívida com indexação ao Dólar e não ao índice oficial (…)” Recurso especial conhecido e, em parte, provido.(RE.1641 18/12.90- REL Min ATHOS CARNEIRO- STJ 4A Turma)

Assim sendo, não há que se confundir os índices da correção monetária e de mera variação cambial. Estes refletem aspectos econômicos totalmente diversos que, embora possam variar dentro de uma certa proporcionalidade, não estão necessariamente conexos.
A utilização de taxa cambial para efeitos de correção monetária, além de vedada pelo direito, pode em caso de desequilíbrio de balança comercial, refletir-se nos contratos, trazendo sérias perdas para o devedor.
*Artigo publicado originalmente no Jornal Diário do Comércio, em 09/01/1997, pág. 02.